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O mito da Índia como uma nação cheia de paz

Esta é a segunda parte do artigo intitulado A realidade sobre a Índia. Leia aqui a primeira parte.

Na Índia, país predominantemente hindu, os cristãos são de longe uma minoria. Eles têm sido perseguidos durante anos, e no estado de Orissa, local mais tenso do país, cerca de 50 pessoas perderam suas vidas em uma onda de violência em 2008. Como ocorre a perseguição dos cristãos indianos? Qual é a história desses cristãos e como eles se preparam para enfrentar tamanha opressão? 

Nova Déli – Na Classificação de países por perseguição da Portas Abertas Internacional, a Índia esteve durante anos na trigésima colocação. Abhishek Singh*, diretor da Portas Abertas Índia foi entrevistado em 2008 e relatou a possibilidade de que em 2009 o país fosse subir algumas posições. De fato, a Índia alcançou a 22ª posição.

 Isso ocorreu por causa da onda de violência contra os cristãos do estado de Orissa. Muitas pessoas foram mortas e houve um grande número de roubos. Isso significou um aumento na perseguição aos cristãos, e dado ao grande número de relatos que chegaram a nós, temo que esse não seja o fim de tudo. A seguir leia a entrevista feita com ele.

Por causa da violência, nós pensávamos que os cristãos da Índia estariam vivendo escondidos. Mas ainda é possível vê-los indo sem medo à igreja. Qual é a postura dos cristãos indianos?

Em primeiro lugar, não se pode comparar a Índia com um país como a Coréia do Norte, que oprimi os cristãos e não dá a eles nenhum tipo posição social. O cristianismo não é legalmente proibido na Índia. Nossa constituição garante liberdade de consciência para todos e o direito de se escolher a religião que quiser. Então, os cristãos possuem direitos em nosso país.

 Além do mais, o cristianismo foi trazido para cá pelo apóstolo Tomé, e depois por colonialistas portugueses, holandeses e franceses, portanto, há séculos ele está presente no país.

 A Índia é um país democrático, mas infelizmente, na prática, a lei tem sido restringida em sua aplicação de modo a favorecer a maioria hindu, 80% da população, e desfavorecer minorias como a cristã ou islâmica. A quantidade de violência feita por extremistas contra cristãos é muito grande. Não se passa um dia sequer sem que haja dois ou três ataques contra os cristãos no país. Em muitos casos, a polícia, sob a influência dos hindus, não faz nada ou torna-se complacente.

Em um livro de Ron Boyd MacMillan que trata sobre a perseguição de cristãos na Índia, ele diz que há quinze anos, hindus e cristãos ainda coexistiam pacificamente. Esse dado é preciso?

Antes de tudo, vamos deixar claro que a maioria dos hindus é pacífica e quer viver em paz. Os cristãos têm progressivamente se tornado vítimas de uma ideologia fascista chamada Hindutva, que tem se desenvolvido em nosso país nos últimos 20 anos. Os que aderem essa doutrina estão tentando tornar a Índia um Estado hindu através da violência.

O cristianismo nunca foi bem aceito na Índia, principalmente entre os nacionalistas que veem isso como um legado de nossa história colonial. Sempre houve incidentes violentos envolvendo cristãos. O primeiro ataque documentado contra um cristão ocorreu em 1964, quando um clérigo católico romano foi assassinado no estado de Bihar. 

A perseguição de cristãos decolou em 1998, quando o Partido Bharatiya Janata chegou ao poder. Na véspera de Natal daquele ano, os extremistas da cidade de Dangs, estado de Gujarat, incendiaram 25 igrejas. Em 1999, o evangelista australiano Graham Staines e seus dois filhos foram assassinados. Fundamentalistas hindus atearam fogo em seu carro enquanto ele dormia.

Os cristãos são acusados de forçar hindus a se converter. Há alguma verdade nisso?

Isso é um falso boato, espalhado pelos nacionalistas para envenenar as mentes dos indianos. Fazendo isso, eles incitam a população hindu contra os cristãos. Mas posso afirmar que nunca houve um caso sequer de conversão forçada que tenha sido provado até hoje em nenhuma corte indiana. É mentira! Apenas propaganda contrária. Após circularem as informações falsas, os extremistas hindus começam a atacar os cristãos e a incendiar casas e igrejas. Os cristãos são um alvo fácil, já que são uma minoria e geralmente não revidam. Eles fazem isso para tentar alcançar o objetivo final: um Estado hindu.

Há algum caso de perseguição que seja sistemática?

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A violência contra os cristãos não ocorre através do trabalho desconexo e aleatório de alguns grupos extremistas. Há uma rede intimamente ligada de organizações hinduístas fundamentalistas. A BJP é o braço político do grupo Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), uma organização abrangente que promove o ideal de uma nação somente para hinduístas. Existem pelo menos 47 outras organizações ligadas a ela, inclusive um sindicato de trabalhadores e o partido fundamentalista chamado VHP, que possui um departamento voltado para jovens. São os membros dessas organizações que fizeram os ataques a Orissa. Então, sim, os ataques aos cristãos são muito bem planejados e há todo um sistema atrás deles. 

Em Orissa, houve um surto de violência. Em quantos estados os cristãos sofrem perseguição?

No presente momento, os cristãos estão sendo perseguidos por toda a Índia, com exceção dos estados do nordeste indiano, por exemplo, Nagaland, Mizoram e Meghalaya. Nos outros 25 estados, nos últimos meses foram relatados diversos ataques a igrejas e cristãos, alguns estados mais outros menos. Nossa preocupação é maior com os estados de Orissa, Madhya Pradesh, Chhattisgarh, Uttar Pradesh, Andhra Pradesh e Karnataka. Em dezembro de 2007, e em agosto de 2008, houve um surto de violência em Orissa, mas os ataques contra os cristãos estão acontecendo constantemente em toda a Índia. Eles nem sempre aparecem na mídia, mas não devem ser ignorados.

Como você explica o surto de violência em Orissa?

A violência ocorrida nesse estado é essencialmente resultado de uma campanha muito bem arquitetada por hinduístas extremistas, que foi inspirada pela ideologia Hindutva da RSS. Houve um preparo de 20 anos até que ela ocorresse.  Swami Laxmanananda Saraswati foi assassinado por rebeldes maoístas, mas os cristãos foram culpados. A morte dele deu início aos ataques aos cristãos. Esse homem chegou a Orissa no final da década de 1960 para proclamar a filosofia nacionalista hinduísta entre os Kandha, que são tribos étnicas que praticam a religião animista. Ele os incitava contra os Pana e os Dalits ou intocáveis, que estão fora do sistema de castas e não possuem nenhum direito para o que quer que seja. Existem cristãos entre esses excluídos e, dessa maneira, iniciaram-se os conflitos nessa área.

Esses dalits, que no sistema de castas sempre foram obrigados a realizar os piores trabalhos, têm progressivamente obtido sucesso ao alcançar posições mais altas. Eles estão crescendo e até estudando em outros estados, assim, Kandha estava perdendo o controle deles. Isso inflamou os extremistas ainda mais.

Além disso, o número de cristãos na cidade mais afetada, Kandhamal, estava crescendo rapidamente. Os dalits estavam se convertendo em grande escala. E isso não estava acontecendo porque alguém os forçava a conversão, mas sim porque eles queriam seguir Jesus Cristo. Os hinduístas extremistas começaram uma campanha de ódio e inventaram a história de que todos que haviam se convertido o tinham feito sob pressão. E o governo de Orissa não fez nada a respeito, porque temia perder os votos dos hindus. 

O fato de que os cristãos defendiam os pobres e oprimidos, os dalits, não foi do gosto dos que estavam no poder, que geralmente eram os de castas altas. É impossível entender a Índia sem conhecer esse sistema que permeia toda a sociedade. A classe alta tem medo de perder seu poder. Apenas um incidente teve que ocorrer, nesse caso, a morte de Saraswati, para que ocorresse um surto de violência.

Há um boato de que os hinduístas extremistas estão sendo pagos para cometer crimes. O que você sabe sobre isso?

Não posso provar, mas os sinais de que isso ocorra são muito visíveis. Kandhamal, cidade de Orissa, é muito conhecida por suas plantações de gengibre e açafrão. Diversas empresas têm tentado tomar a terra das tribos para cultivar essas especiarias e para utilizá-la para outros propósitos. Mas os cristãos têm defendido os direitos desses nativos para que eles obtenham a posse de suas terras. Então, os empresários querem primeiro se livrar dos cristãos e em seguida dos proprietários das terras. Eu ouvi dizer que eles ofereceram dinheiro aos hinduístas extremistas: 100 mil rúpias pelo assassinato de um pastor, a mesma quantidade para a destruição de uma igreja e 50 mil rúpias para incendiar uma casa de cristão. Por que é que os extremistas fariam isso? Só fariam se pudessem ter algum lucro ao fazê-lo!

No ocidente, a idéia dominante é que o huinduísmo é uma religião pacífica. Essa imagem deve ser revista?

O fato de que é a Índia é uma nação pacífica é um mito persistente. A história de nosso país não se desenvolveu sem ter um momento sequer de paz. Na Índia, ao contrário dos países vizinhos, somente 1% da população é budista. Por quê? Há uma página negra em nossa história que ninguém quer contar: os líderes das castas mais altas assassinaram sistematicamente milhões de budistas. Nosso país possui a segunda maior população muçulmana do mundo, e muitos muçulmanos foram assassinados nos últimos anos.

Gandhi, fundador de nosso Estado moderno, usou o mito de que a Índia era uma nação pacífica como meio de propagar o país no ocidente. Essa imagem foi criada no século XIX por um erudito alemão chamado Max Müller, que escreveu a partir de uma visão romantizada do hinduísmo. Mas a realidade é diferente: a Índia hindu é baseada em uma sociedade violenta.

*Por motivos de segurança, o nome do entrevistado foi alterado.

Fonte: https://www.portasabertas.org.br/noticias/Artigos/2009/03/noticia5220/


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