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Eleição de um presidente evangélico passa pela manutenção do Estado laico e compreensão da diversidade religiosa no Brasil, diz pesquisador

A possibilidade de, no futuro, a população declaradamente evangélica no Brasil eleger um presidente de confissão protestante foi analisada pelo jornalista e pesquisador Johnny Bernardo, num abrangente artigo sobre o cenário social e político brasileiro.

Como contextualização, Bernardo afirma que a eleição de um presidente evangélico não pode desobedecer conceitos primários de direitos e democracia já estabelecidos na legislação atual, sob pena de desestabilização das instituições.

“A defesa de pontos de vista, de ideologias, de culturas são elementos garantidos pelo Estado Democrático e pela Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), mas não devem ultrapassar os limites legais, como o uso da máquina pública como base avançada de difusão ideológica ou religiosa. Tal significa dizer que homossexuais e evangélicos têm de se manter distantes do Estado, o que não significa, no entanto, que um evangélico ou homossexual ou mesmo um ateu não possa exercer um cargo público, no Executivo”, explica.

No texto, Johnny Bernardo afirma que é importante para a sociedade, e até para as religiões, que o Estado permaneça laico, e cita fatos históricos para justificar seu argumento: “A predominância, no Brasil colonial e monárquico, do Catolicismo Romano (CR) como religião oficial, serve de exemplo de como a ausência de um Estado laico pode ser prejudicial a uma nação. Mesmo depois de estabelecida a República, em 15/11/1889, e a Constituição de 1891, a perseguição ao Protestantismo Histórico e demais credos religiosos continuou a ser uma realidade e, com a ascensão de Getúlio Vargas ao Poder, o CR volta a exercer influência”, situa o pesquisador.

Bernardo observa que, a eleição de um presidente evangélico no futuro, não é algo fora da realidade. Porém, frisa que a diversidade de crença no Brasil é um dos fatores importantes nesse quadro.

“Dado o crescimento da igreja evangélica brasileira, sua presença cada vez maior nos meios de comunicação de massa e na vida orgânica de câmaras municipais, prefeituras, assembleias, e no Judiciário, torna-se inevitável o não questionamento sobre uma futura composição evangélica nos executivos municipais, estaduais e federais. Teríamos, no entanto, de distinguir duas situações: primeira, um governo liderado por um evangélico; segunda, de uma nação de maioria evangélica – o que seria uma inversão do atual quadro religioso brasileiro, que aponta o Catolicismo Romano como dominante, com algo em torno de 125 milhões de seguidores (IBGE, 2010). Em ambos os casos haveria problemas relacionados à diversidade cultural, religiosa e secular”, diz Johnny Bernardo.

Em seu texto, há uma exemplificação da complexidade que existe na sociedade brasileira a partir de um fato recente: “Os questionamentos em torno do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, Marco Feliciano, servem de exemplo e termômetro para um futuro questionamento que envolveria, por exemplo, um presidente evangélico”.

Segundo Johnny Bernardo, “o caso Feliciano passa a ser, portanto, uma base de entendimento e especulação sobre uma futura composição evangélica no Executivo”, e a partir dessa refleão, surgem outras situações a serem previstas: “Como se daria, por exemplo, a relação do Governo (no caso, presidido por um evangélico) com os diversos credos religiosos, como o catolicismo (romano e popular), às religiões afro-brasileiras, às de origem norte-americana (como as Testemunhas de Jeová), e às religiões orientais (a exemplo do islamismo e das diversas correntes de origem nipônica), cujo crescimento não deixa margem a dúvidas de que o Brasil será, de fato, dentre alguns anos, composto por uma multiplicidade de credos ou confissões. Alguns movimentos seculares, como de homossexuais e ateus, também têm experimentado um significativo crescimento nos últimos anos, mesmo que em termos ideológicos ou partidários, mas também numérico”, enumera o pesquisador.

Leia a íntegra do artigo “Evangélicos no Poder: considerações gerais”, de Johnny Bernardo:

Mather e Nichols (1993: 173) declaram que o Fundamentalismo foi abraçado principalmente pelas igrejas presbiterianas e batistas, as quais desejavam erguer uma voz de protesto contra os modernistas que defendiam o Liberalismo e o Evolucionismo (Darwinismo), do século 19. O movimento, segundo os pesquisadores, foi inspirado no livro “Os Fundamentos”, de 1909, e popularizou-se em todo o mundo cristão a partir de 1925, quando William Bryan (1860-1925) processou John Scopes, um professor de uma escola pública de Dayton, no Tennessee, que lecionava Evolucionismo.

O termo Fundamentalismo passou a ser aplicado a várias denominações consideradas conservadoras que continuam a repudiar o Liberalismo que, nos Estados Unidos e também no Brasil, caracterizou-se pela aversão a união civil homossexual, ao aborto, às pesquisas tronco-embrionárias. O relacionamento entre Estado e Religião passa a ser, portanto, um meio viável de controle do Liberalismo. Os conflitos entre católicos e protestantes, entre os séculos XVI e XVII, e o fundamentalismo islâmico desencadeado antes do século XX, são exemplos de que o extremismo religioso é um erro a ser evitado pela comunidade internacional, pelas instituições democráticas.

A problemática não gira em torno apenas do Fundamentalismo, mas também em torno do extremismo que, entende-se, ser uma camada ou casca destrutiva, das quais não somente religiosos, mas também homossexuais e ateus despontam. A defesa de pontos de vista, de ideologias, de culturas são elementos garantidos pelo Estado Democrático e pela Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), mas não devem ultrapassar os limites legais, como o uso da máquina pública como base avançada de difusão ideológica ou religiosa. Tal significa dizer que homossexuais e evangélicos têm de se manter distantes do Estado, o que não significa, no entanto, que um evangélico ou homossexual ou mesmo um ateu não possa exercer um cargo público, no Executivo.

Stuart Hall, professor do Open University, na Inglaterra, e autor do livro “A Identidade Cultural na Pós-modernidade”, declara que o fenômeno do “fundamentalismo” surge como consequência do nacionalismo partidarista e do absolutismo étnico e religioso que, nos novos aspirantes ao status de “nação”, como os estados bálticos, na desintegração da Iugoslávia, do movimento de independência de muitas das antigas repúblicas soviéticas, tentam construir estados que sejam unificados tanto em termos étnicos quanto religiosos, e criar entidades políticas em torno de identidades culturais homogenias. Começando com a Revolução Iraniana, segundo Stuart, têm surgido, em muitas sociedades até então consideradas seculares, movimentos islâmicos fundamentalistas, que buscam criar estados religiosos nos quais os princípios políticos de organização estejam alinhados com as doutrinas religiosas.

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A assinatura, em 1648, de um Tratado que ficou conhecido como “Paz de Westphália”, teve como principais resultados o estabelecimento de um sistema laico de relações internacionais, o fim da Guerra dos Trinta Anos (1618-48) e o estabelecimento da soberania de cada reino. À época dominada pela Igreja Católica, a Europa passava por um período de intensos conflitos regionais, tendo de um lado a dinastia Habsbugo, que detinha o poder sobre as principais potências católicas, como Espanha e Áustria, e que visava criar um império supranacional, e, do outro lado, as potências protestantes escandinavas, que apoiavam as cidades comerciais e principados protestantes. Embora a soberania territorial tenha sido estabelecida, dando aos reinos independência com relação à escolha de uma determinada religião como oficial, sem interferência externa, a Paz de Westphália deu início ao processo de laicização e secularização dos Estados.

A realidade brasileira

A predominância, no Brasil colonial e monárquico, do Catolicismo Romano (CR) como religião oficial, serve de exemplo de como a ausência de um Estado laico pode ser prejudicial a uma nação. Mesmo depois de estabelecida a República, em 15/11/1889, e a Constituição de 1891, a perseguição ao Protestantismo Histórico e demais credos religiosos continuou a ser uma realidade e, com a ascensão de Getúlio Vargas ao Poder, o CR volta a exercer influência, sendo novamente reafirmada com a concordata entre o Brasil e o Vaticano, firmada em 2008 e que concedia inúmeros privilégios ao CR.

Com o crescimento dos evangélicos brasileiros – havendo hoje, segundo o Censo de 2010, do IBGE, cerca de 42,5 milhões de seguidores – uma nova configuração (religiosa) ganha forma. As bancadas evangélicas, nas assembleias estaduais e no Legislativo Federal, exemplificam a crescente força do movimento, além de servir de base de estudos e especulações com relação à futura composição religiosa nacional. As disputas em torno de temas como o aborto e a união civil homossexual, por parte de lideranças evangélicas no Congresso, devem ser vistas como possíveis temas a serem defendidos por um governo composto por evangélicos? A laicidade seria preservada?

Dado o crescimento da igreja evangélica brasileira, sua presença cada vez maior nos meios de comunicação de massa e na vida orgânica de câmaras municipais, prefeituras, assembleias, e no Judiciário, torna-se inevitável o não questionamento sobre uma futura composição evangélica nos executivos municipais, estaduais e federais. Teríamos, no entanto, de distinguir duas situações: primeira, um governo liderado por um evangélico; segunda, de uma nação de maioria evangélica – o que seria uma inversão do atual quadro religioso brasileiro, que aponta o Catolicismo Romano como dominante, com algo em torno de 125 milhões de seguidores (IBGE, 2010). Em ambos os casos haveria problemas relacionados à diversidade cultural, religiosa e secular.

Os questionamentos em torno do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, Marco Feliciano, servem de exemplo e termômetro para um futuro questionamento que envolveria, por exemplo, um presidente evangélico. Às críticas ao Feliciano residem simplesmente no fato de ele ser evangélico, em um entendimento de que a CDHM tem de ser dirigida por uma figura secular, que possa dialogar com os vários setores da sociedade, vítimas de violações dos Direitos Humanos. No entanto, apesar das críticas dirigidas por lideranças homossexuais, das 320 denúncias recebidas anualmente pela CDHM, a grande maioria refere-se à violação de direitos de presos e detenções arbitrárias, seguida de violência policial e violência no campo (Câmara dos Deputados, Atividade Legislativa, 2013), não atingindo, diretamente, os homossexuais, cujos direitos estão em processo de legalização.

O caso Feliciano passa a ser, portanto, uma base de entendimento e especulação sobre uma futura composição evangélica no Executivo. Como se daria, por exemplo, a relação do Governo (no caso, presidido por um evangélico) com os diversos credos religiosos, como o catolicismo (romano e popular), às religiões afro-brasileiras, às de origem norte-americana (como as Testemunhas de Jeová), e às religiões orientais (a exemplo do islamismo e das diversas correntes de origem nipônica), cujo crescimento não deixa margem a dúvidas de que o Brasil será, de fato, dentre alguns anos, composto por uma multiplicidade de credos ou confissões. Alguns movimentos seculares, como de homossexuais e ateus, também têm experimentado um significativo crescimento nos últimos anos, mesmo que em termos ideológicos ou partidários, mas também numérico.


Dada à diversidade de credos e opiniões da sociedade contemporânea, a associação de uma determinada religião ou confissão religiosa com o Executivo coloca em risco todo um processo histórico de luta pelo Laicismo, de distanciamento do Poder Público da prática religiosa. Ao mesmo tempo, a tentativa de utilização do governo como base de difusão ideológica, como a protagonizada pela LGBT, também fere a independência do Estado na medida em que um grupo da sociedade se impõe por meio de recursos governamentais, da imposição de uma opção social de vida, particularmente por meio de materiais financiados pelo Governo e distribuídos em escolas públicas, como o kit gay. Tal não significa dizer, novamente, que um homossexual ou um evangélico não possa assumir a presidência da República; o problema está no uso da máquina pública com finalidade ideológica ou religiosa, não visando à diversidade!

O Brasil já foi governado por evangélicos

Embora diferente da conjuntura religiosa atual, o Brasil do século XX foi governado por dois presidentes evangélicos, em um período relativamente próximo – há um intervalo de 20 anos entre o término do primeiro e o começo do mandato do segundo – e situações políticas semelhantes. O primeiro, Café Filho (1899-1970), foi presidente do Brasil entre 1954-55, no lugar de Getulio Vargas, que, em agosto de 1954, cometeu “suicídio”, no Palácio do Catete, então sede do poder executivo brasileiro, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Membro da Primeira Igreja Presbiteriana de Natal (RN), onde teria sido doutrinado no calvinismo, Café Filho entrou para a História do Brasil como o primeiro presidente protestante (evangélico) do país. Apesar de evangélico, Café Filho era defensor do direito ao divórcio, pelo o que foi alvo de duras críticas e oposição por parte da Liga Eleitoral Católica – uma organização que, entre as décadas de 40 e 50, atuou na defesa da fé e tradição católica. Mesmo antes de assumir o comando da nação, o potiguar calvinista foi alvo de vetos da LEC, quando, nas eleições de 1950, foi indicado para compor como vice-presidente, ao lado de Getulio Vargas.

Menos fervoroso que Café Filho, porém com as mesmas crenças fundamentais – com exceção do calvinismo -, Ernesto Beckmann Geisel (1907-1966) era filho de imigrantes alemães, estudou no colégio protestante Martin Luther, e, como os pais, era luterano. A relação da família Geisel com o protestantismo advém de suas origens, na Alemanha. Segundo um registro encontrado em uma comunidade evangélica de Kromberg, um dos mais antigos representantes da família Geisel, Johann Philipp Geisel, aparece como um dos membros (FALCÃO, 1995: 7). Seu pai, Augusto Guilherme Geisel, lecionou em uma escola luterana do município de Estrela (RS), e era membro de uma igreja luterana da mesma cidade, da qual também participava Ernesto Geisel. Eleito 29º presidente, o luterano descendente de alemães governou o Brasil entre 1974 e 1979, período em que foi sancionada a Lei do Divórcio, como também teve inicio uma gradual diminuição da censura e abertura política, que culminou com a eleição de João Figueiredo, em 1979, e que comandou o País até 1985, ano em que foi eleito Tancredo Neves, avô do atual governador de Minas e provável candidato à Presidente (em 2014), Aécio Neves. Tendo falecido antes da posse, foi sucedido por seu vice, José Sarney.

Embora o Brasil tenha sido governado por dois evangélicos, há uma significativa diferença entre as décadas de 50 e 70, com a atual dinâmica religiosa brasileira. Primeiro, as turbulências em torno de Getulio Vargas, o fato de Café Filho ter exercido o cargo de vice-presidente, e ter ocupado a Presidência por não mais que um ano – devido o falecimento de Vargas -, são elementos que o desqualificam. A eleição de Ernesto Geisel, em 1974, à presidente da República, também pode ser alvo de questionamentos, pelo o fato de não ter sido eleito por meio do voto popular, mas por meio de uma eleição indireta – pelo colégio eleitoral. Segundo, o número de evangélicos nos anos 50 e 70 era insuficiente para a eleição de um presidente evangélico, em comparação com o número de católicos. Atualmente, no entanto, devido à diminuição no número de fieis católicos – passou de 70,90% em 1970, para 64,6%, em 2010 – e o crescimento cada vez maior do número de evangélicos – passou de 6,6% em 1970, para 22,2% em 2010 – é um claro indício de que os evangélicos poderão, de fato, alcançar o Poder dentre alguns anos – se cumprida à perspectiva de que, em 2030, representarão 50% da população brasileira. No entanto, deve-se ressaltar, a ausência de unidade no universo evangélico brasileiro – como o distanciamento entre protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais -, as disputas nas bancadas evangélicas, e a existência de movimentos de inspiração socialista são impeditivos a eleição de um evangélico.

Bibliografia

MATHER, George e NICHOLS, Larry. Dicionário de Religiões, Crenças e Ocultismo. São Paulo: Vida, 1993

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2011

FALCÃO, Armando. Geisel: do tenente ao presidente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995

Fonte: http://noticias.gospelmais.com.br/pesquisador-eleicao-presidente-evangelico-estado-laico-54854.html


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