O julgamento de um afegão que enfrenta a execução por se converter ao cristianismo é ilegal e deve ser parado, segundo o representante da liberdade religiosa do maior órgão evangélico mundial.
Yogarajah Godfrey, diretor executivo da comissão da Aliança Evangélica Mundial de Liberdade Religiosa, argumenta que o julgamento do convertido Said Musa, 45, quebra pelo menos três disposições da Constituição do Afeganistão de 2004.
De acordo com o Artigo 130 da Constituição do país, os tribunais podem recorrer ao direito Sharia apenas dentro dos limites da Constituição e somente se o caso "pendente" não se relacionar com as disposições da Constituição ou de qualquer outra lei.
Um caso é classificado como "pendente" se for registrado sob a lei, mas Yogarajah aponta que a apostasia não é um crime reconhecido pela Constituição afegã, ou qualquer outra lei estatutária.
"O Artigo 27 da Constituição diz que ninguém será perseguido, preso ou detido por um ato que não é considerado um crime", disse Yogarajah em um comunicado nesse sábado, dia 12. "Então, sob que lei estatutária Musa foi preso?"
Musa é um ex-funcionário da Cruz Vermelha que perdeu sua perna esquerda na explosão de uma mina terrestre e foi detido em maio de 2010, depois que uma rede de televisão local transmitiu imagens de cristãos afegãos sendo batizados pelos ocidentais. Musa foi um dos convertidos ao cristianismo identificado no vídeo.
Ele é pai de seis filhos e disse que foi torturado e abusado sexualmente por guardas prisionais durante o seu encarceramento. Está no infame Centro de Detenção Cabul e teve negado o acesso a um advogado ou um julgamento justo. Alguns advogados se recusaram a representá-lo, a menos que Musa se reconvertesse. Outros abandonaram o seu caso depois de ser ameaçados. Sua esposa e filhos fugiram para o Paquistão depois de sua prisão.
O caso de Musa é o primeiro em que a apostasia está próxima de levá-lo à execução, desde a queda do regime talibã no Afeganistão.
Em acréscimo ao Artigo 130, Yogarajah também aponta o artigo 7º da Constituição do Afeganistão, no qual os estados obrigam o país a aderir aos pactos internacionais dos quais é signatário. Dentre eles, incluem o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP).
Três cláusulas do artigo 18 do PIDCP:
• Todas as pessoas têm o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito inclui a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha, e liberdade, individualmente ou em comunidade, em público ou privado, de manifestar a religião ou crença em culto, costume, prática e ensino.
• Ninguém pode ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha.
• Liberdade de manifestar religião ou crenças pode estar sujeita apenas às limitações previstas pela lei e consideradas necessárias para proteger a segurança pública, a ordem, a saúde ou a moral, ou os direitos fundamentais e liberdades de outrem.
Yogarajah, no entanto, reconhece que o artigo 3º da Constituição do Afeganistão diz que nenhuma lei pode ser contrária às “crenças e às disposições da religião sagrada do islamismo".
"Ainda que isto contradiga as constituições anteriores, após a inclusão do Artigo 7º (com a promessa de respeitar as convenções internacionais) na Constituição de 2004, a interpretação do Artigo 3º deve ser reformulada em função desta contradição gritante".
A Aliança Evangélica Mundial, que representa 600 milhões de evangélicos em 128 países, lamenta que, nove anos após a queda do regime talibã, há pouca mudança visível nas áreas de direito e liberdades civis.
"Os apelos dos extremistas pela morte de um apóstata são compreensíveis, mas quando a administração pede a pena de morte por uma conversão, utilizando-se abusivamente de vagas leis, levanta sérias preocupações", disse Yogarajah. "A repressão nunca pode levar à paz em longo prazo. O governo não deve evitar as reformas por medo de uma reação por parte de extremistas."
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