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A experiência de Kano: a vida sob a sharia

Muçulmanos em todo o mundo estão no Ramadã, um período de 40 dias de jejum entre o nascer e o pôr do sol. No estado de Kano na Nigéria, no entanto, até os estudantes cristãos são forçados a seguir o Ramadã - este é apenas um dos aspectos do sistema educacional que intimida e coage estudantes a abraçar o islamismo.

Desde que a sharia entrou em vigor nesse estado do norte em 2001, o estado de Kano obriga os estudantes cristãos em todas as escolas primárias e secundárias a seguir o Ramadã. Escolas públicas, de acordo com líderes cristãos, se tornaram centros onde muçulmanos tentam fazer com que jovens cristãos se convertam ao islamismo.

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O reverendo Murtala Marti Dangora, secretário da Igreja Evangélica do Oeste da África (IEOA) para o distrito de Kano, disse a Compass que crianças cristãs nas escolas não têm direitos, especialmente durante o Ramadã. "Essas crianças não recebem alimento, sendo forçadas a seguir o jejum do Ramadã," disse ele.

A fé cristã das crianças deve ser mantida em segredo para que elas sejam admitidas nas escolas públicas, acrescentou o reverendo Dangora. "Existem muitas discriminações aqui. A partir do momento que você é cristão, seus filhos são proibidos de freqüentar as escolas públicas."

Então, os cristãos das áreas rurais de Kano, disse ele, estão com medo de mandar seus filhos para as escolas públicas, por temerem que eles sejam forçados a se converter ao islamismo.

"Mesmo nas escolas do governo, as crianças cristãs estão sendo forçadas a se tornar muçulmanas," disse o reverendo. "Eles são forçados a estudar o árabe, o islamismo, e a fazer as orações muçulmanas. Eles não têm professores cristãos para ensiná-los a doutrina cristã."

Além disso, o governo se recusa a garantir às igrejas a permissão de abrirem escolas nas áreas rurais. Cristãos em Bari Dorayi construíram uma enfermaria e uma escola primária para seus filhos, mas o governo fechou o prédio da escola.

"A estratégia é forçar cristãos a mandarem seus filhos para as escolas públicas, de modo que eles sejam obrigados a se tornar muçulmanos", disse o reverendo Dangora.

O reverendo Andrew Uba, pastor da Assembléia do Senhor da Luz e secretário da Associação Cristã da Nigéria (ACN), disse a Compass que os cristãos das áreas rurais de Kano estão sendo mais atacados: "Eu observei isso quando visitei uma aldeia chamada Kibiya. Não existiam escolas para as crianças cristãs, e, mesmo nas escolas públicas, as crianças eram forçadas a se tornarem muçulmanas".

O pastor Andrew disse que missionários construíram uma escola para crianças cristãs, mas o governo demoliu a escola. "A situação é patética," disse ele. "Considerando a situação escolar, existe discriminação contra os cristãos; até na admissão às escolas públicas, existe discriminação contra os cristãos."

Os perseguidores

O governo do estado recrutou 9.000 muçulmanos, conhecidos como "hisba", que foram treinados para impor a "sharia" no estado onde apenas uma minoria da população de 5,3 milhões de pessoas é cristã (em Kano e em outros cinco estados do norte, os cristãos somam 13 por cento da população, de acordo com a "Operação Mundial"). Líderes cristãos disseram que esses militantes se tornaram uma máquina de terror do estado contra os cristãos em Kano.

"A 'sharia' aqui tem o objetivo de perseguir a igreja", disse o reverendo Dangora. "A primeira impressão que os líderes muçulmanos deram era que a 'sharia' era puramente para guiar os muçulmanos na prática de sua fé e que os cristãos não seriam afetados, mas desde a implantação da lei religiosa em Kano, nós percebemos que, como nós temíamos inicialmente, a lei foi especificamente planejada para sufocar o cristianismo."

Os "hisba" agem com instrumentos de coação, intimidação e constrangimento, segundo afirmou o reverendo Dangora. Ele citou o constrangimento diário a que mulheres cristãs e moças jovens são submetidas pelos "hisba", que as forçam a usar roupas de acordo com o código muçulmano. "Ninguém é policial de Deus," disse ele. "Isso é puro constrangimento para as mulheres cristãs."

O pastor Andrew acrescentou: "Esses militantes são pagos com recursos públicos para importunar os cristãos. Esses homens 'hisbas' são vistos nas ruas aterrorizando os cristãos sem nenhuma justificativa."

Um povo cativo

Líderes cristãos em Kano associaram suas experiências sob o regime islâmico com aquelas de pessoas presas. Eles disseram que os cristãos estão sendo reprimidos, discriminados e humilhados por causa de sua fé.

O reverendo Dangora, cuja denominação IEOA tem 24.000 membros no estado de Kano, disse que nos últimos três anos ele foi informado de mais de 50 casos de perseguição de membros de sua igreja.

Ex-muçulmano, o reverendo disse que existem numerosos casos de perseguição no estado, incluindo um caso de 15 cristãos que foram forçados a abandonar a vila de Banda por causa do antagonismo muçulmano. O pastor Andrew acrescentou que os cristãos perderam sua liberdade religiosa e estão sendo vistos como cidadãos de segunda classe.

"A perseguição em Kano é terrível a ponto de, se você for nascido em uma família cristã, então você nasceu para a escravidão," disse o pastor. "Por outro lado, um muçulmano da Arábia Saudita, que não é nigeriano, tem mais privilégios em Kano do que um cristão nacional. Os cristãos são vistos como estrangeiros e escravos".

Essa é a atmosfera  que proporcionou uma onda de violência em maio do último ano. O bispo Foster Ekeleme, bispo metodista de Kano e líder da Associação Cristã da Nigéria (ACN) no estado, descreveu como cristãos foram atacados em Kano.

"Líderes muçulmanos em Kano juntaram os muçulmanos na mesquita central da cidade, junto à estrada Zaria, em 11 de maio de 2004. Isso foi aproximadamente às 2 horas da manhã. Eles os incitaram contra os cristãos. Muçulmanos do governo também estavam presentes na mesquita para provocar os outros contra nós. Foi a partir da mesquita que esses muçulmanos saíram às 5h30 da manhã como uma tropa pelas ruas e começaram a atacar os cristãos, matando aqueles que eles encontravam, e queimando igrejas e casas dos cristãos."

De acordo com o bispo Ekeleme, 1.750 cristãos foram mortos, incluindo 10 pastores; 30 igrejas foram queimadas; e 30.000 cristãos foram desalojados. Essas atrocidades ocorreram em Sharada, Panshekara, Naibawa, Zango, Sheka, e Dorayi.

O bispo acusou o governo de Kano de incitar os muçulmanos contra os cristãos, quando a violência no estado de Plateau, há mais de 500 quilômetros, resultou na destruição de igrejas e no assassinato de cristãos.

"Sempre que conflitos religiosos ocorrem em outras partes da Nigéria, o governo de Kano vai até esses locais e traz os corpos dos muçulmanos mortos ali," disse o bispo Ekeleme. "Dessa forma, o governo joga com as emoções dos muçulmanos e assim os incentiva contra os cristãos. É por isso que somos vítimas de conflitos que nós nunca começamos."

O pastor Andrew disse que durante os 10 anos em que ele é secretário da ACN, os ataques aos cristãos em Kano, que começaram em 1991, se tornaram mais intensos com a implantação do código legal do islamismo há quatro anos atrás.

"Eu testemunhei a decapitação de um cristão, o senhor Gideon Akaluka, nesta cidade," disse ele. "Eu testemunhei os ataques e o assassinato de cristãos em Kano porque um evangelista alemão, Reinhard Bonnke, fez uma cruzada aqui. Também vi o assassinato de cristãos e a destruição de igrejas por muçulmanos porque os Estados Unidos estavam lutando contra Sadam Hussein e Osama Bin Laden, e também presenciei o ataque e assassinato de cristãos porque a Nigéria estava recebendo um concurso de beleza."

Certa vez, um muçulmano lhe disse que não era possível que os muçulmanos parassem de atacar os cristãos, porque foram ensinados desde crianças que os cristãos são maus e não se pode confiar neles. "Eu acredito no que esse muçulmano me disse; essa colocação é verdadeira. Se você tem um amigo muçulmano, sempre que ocorre um conflito, esse mesmo amigo muçulmano será aquele que levará outros muçulmanos a queimar sua casa e te matar."

Constituição ignorada

Um resultado da violência tem sido o grande aumento das viúvas e dos órfãos. "Hoje nós temos muitas viúvas e órfãos para que as igrejas cuidem", disse o pastor Andrew.

Junto com as viúvas e os órfãos, os líderes cristãos dizem que a demolição de igrejas em Kano se tornou um fenômeno comum. O reverendo Dangora disse que as autoridades locais demoliram igrejas nas vilas de Badodo, Moji, Gidan Kadayan, e Yartofa.

Para o bispo Ekeleme, a constituição da Nigéria garante liberdade religiosa para todos os nigerianos, e o governo deveria promover esta liberdade.

"A constituição da Nigéria garante liberdade religiosa; o governo nigeriano deve assegurar o direito de expressão religiosa aos cristãos", afirmou o bispo

A diocese de Kano da igreja Metodista da Nigéria relatou uma queda na participação nos cultos de 3.500 para 2.000 pessoas desde 2001, quando a violência contra os cristãos explodiu.

"Esses ataques dos muçulmanos a nós nos afetaram muito, pois muitos de nossos membros foram desalojados ou mortos," disse o bispo Ekeleme. "Alguns que escaparam por pouco da morte foram levados para fora de Kano."

As áreas mais afetadas pela saída dos cristãos foram as cidades de Challawa, Panshakara, Shagari Quarters, Naibawa, e Dorayi.

"Os cristãos de Kano estão vivendo nesse estado pela fé," disse ele. "Aqueles que não suportam a perseguição estão saindo. Muitas igrejas estão virtualmente vazias. Esses cristãos têm sido forçados a deixar o estado porque suas casas foram destruídas por fanáticos muçulmanos, e eles não têm um lugar para voltar."

Os cristãos de Kano não provocaram os muçulmanos à violência, disse ele; ao contrário, funcionários do governo e líderes muçulmanos incitaram os muçulmanos contra os cristãos. "Sempre que há um problema entre os Estados Unidos e as nações árabes, os cristãos em Kano se tornam alvos para os líderes muçulmanos e seus seguidores lançam sua raiva contra os cristãos," contou o bispo. "Nós estamos pagando o preço de compartilharmos a mesma fé que os americanos e os europeus."

O bispo Ekeleme relatou que os cristãos do estado de Kano foram caçados e mortos e suas igrejas destruídas, muitos estão vivendo em campos de refugiados. Muitos desses cristãos ainda estão vivendo em tendas do exército ou barracas da polícia na cidade de Kano.

"Eu acredito que seja a vontade dos muçulmanos na Nigéria exterminar os cristãos, porque eu não vejo nada que nós cristãos tenhamos feito que provocasse estes ataques e a destruição de nossas igrejas", disse o líder metodista.

Fonte: https://www.portasabertas.org.br/noticias/2005/10/noticia2139/


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