Ele se chama Remy Damasceno, tem 38 anos, é pastor, casado e líder da Missão Batista em Copacabana. Ela se chama Ana Maria*, é prostituta, tem 22 anos, um filho de oito meses e um ex-marido de quem nunca mais quer ouvir falar. Remy e Ana Maria trabalham a menos de dois metros de distância. Ela, “na pista”, na Avenida Prado Júnior, shortinho mínimo e piercing no umbigo. Ele prega dentro de uma igrejinha no número 150 da mesma rua, um dos mais conhecidos pontos de prostituição do Rio.
A congregação liderada por Remy funciona em uma lojinha no andar térreo de um prédio. Vizinha de vários inferninhos, é vinculada à Igreja Batista do Leme, comunidade com trabalho voltado para a população carente.
No fim do mês, a missão começará uma ação social direcionada à defesa dos direitos das prostitutas. O primeiro passo será a realização de palestras sobre saúde.
Trabalho social
– A igreja precisa mostrar que Deus se interessa por todos. O objetivo é fazer com que tenham uma vida melhor, se cuidem, sejam mais conscientes – diz o pastor Remy.
O religioso afirma que o objetivo da missão não é necessariamente converter:
– Se conseguirmos contribuir com algo para a vida delas, já valeu à pena. Se mostrarmos novas perspectivas, mais ainda. E, se perceberem que Jesus vale à pena, nosso trabalho foi ainda além. O mais importante é fazer com que a igreja se torne significativa para elas.
O pastor terá longo trabalho. Ativistas pelos direitos de prostitutas enxergam nas missões religiosas uma repressão à prática da prostituição.
Choque de realidade
– Todas as igrejas nos vêem como coitadinhas. Nosso trabalho não é pecado. Pecado é não transar – diz a garota de programa Valquíria Costa, de 33 anos, ativista da Ong Davida, que luta pelos direitos das prostitutas.
Para Valquíria, a missão do pastor será árdua.
– A intenção pode ser boa, mas elas não param para ouvir. Acham que vão perder tempo e dinheiro.
O pastor sem preconceitos
Psicólogo de formação, Remy instalou sua Missão na Avenida Prado Júnior em 2006. Um ano antes, saiu do Espírito Santo, onde era pastor, para trabalhar em um projeto da Prefeitura do Rio de combate à exploração de menores.
Sua mulher, a geógrafa Silvéria Andrade, de 42 anos, deixou um emprego como coordenadora de uma faculdade no Espírito Santo para ajudar o marido. No discurso do casal, nenhum preconceito.
– A mulher se prostituir não é crime, mas alguém se beneficiar disso é. Fica muito fácil elas serem alvo de extorsão. Quem está na prostituição, tem que procurar um sindicato e aprender como se proteger. A ética cristã é para o cristão. Para quem não deseja o caminho de Jesus, temos que pensar no melhor para a saúde. Daqui a dez anos, sonho olhar para trás e ver que fui coerente. – diz o pastor, que se divide entre as funções da igreja e o trabalho como psicólogo.
Pastor da Igreja Batista do Leme, Macéias Nunes apóia o missionário:
– A proposta cristã não discrimina nenhuma comunidade. Muitas vezes, o preconceito é justamente contra os evangélicos.
Tudo pelos filhos
“Tenho quatro filhos. Peço perdão a Deus e venho para cá”, diz Cristina*, de 33 anos. De formação evangélica, ela freqüenta igrejas longe de sua casa, em Mesquita.
– Dizem que ou a gente está aqui ou vai para a igreja. Mas minha consciência ia doer se visse meus filhos passarem fome. Já tive que pedir comida em igreja. Homem faz filho e vai embora – explica ela. Suas amigas, como Paula*, de 27, se orgulham de mandar até R$ 2,5 mil para o filho, que vive no interior com os avós.
Luísa*, 30 anos, diz que aguarda ser chamada pela Prefeitura para uma vaga de técnica em enfermagem.
– Meu nome saiu no Diário Oficial. Guardo até hoje. Espero que o Cesar Maia abra o Hospital de Acari.
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